O fascinante mundo da relojoaria independente e das microbrands tem conquistado cada vez mais entusiastas ao redor do globo. Esses fabricantes menores oferecem uma alternativa refrescante às grandes marcas suíças, combinando qualidade, criatividade e, muitas vezes, valores mais acessíveis. No coração de cada relógio está seu movimento – o mecanismo que dá vida ao instrumento de medição do tempo.
Para quem está começando a explorar este universo, entender os diferentes tipos de movimentos pode parecer intimidador. Entre termos técnicos como “calibre”, “escapamento” e “rotor”, é fácil se sentir perdido. Porém, com algumas informações básicas, você conseguirá distinguir as diferenças essenciais entre os movimentos e apreciar melhor o que faz cada relógio ser especial.
Neste guia, desvendamos os principais tipos de movimentos encontrados na alta relojoaria independente e nas microbrands em ascensão. Vamos explorar desde os tradicionais movimentos mecânicos até as opções híbridas mais modernas, fornecendo as informações necessárias para você fazer escolhas informadas e apreciar melhor o trabalho artesanal que torna cada peça única.
O que são movimentos de relógios?
O movimento de um relógio, também conhecido como calibre, é o coração mecânico ou eletrônico que faz o instrumento funcionar. É o sistema responsável por medir e mostrar a passagem do tempo, fazendo os ponteiros se moverem ou os dígitos mudarem. Cada tipo de movimento possui características próprias que afetam precisão, durabilidade e manutenção.
Como explica George Daniels, considerado um dos maiores relojoeiros independentes do século XX: “O movimento é para o relógio, o que o motor é para o carro – sua essência funcional e o verdadeiro testemunho da perícia do fabricante.” Esta afirmação resume perfeitamente a importância central deste componente, que muitas vezes permanece invisível aos olhos do usuário comum, mas representa o maior valor agregado da peça.
Os movimentos podem variar drasticamente em complexidade, desde mecanismos básicos de três ponteiros até complicações elaboradas como cronógrafos, calendários perpétuos e turbilhões. Nas próximas seções, vamos explorar os principais tipos encontrados tanto na alta relojoaria independente quanto nas microbrands que estão revolucionando o mercado com propostas acessíveis e inovadoras.
Movimentos mecânicos: o coração tradicional da relojoaria
Os movimentos mecânicos representam a tradição secular da arte relojoeira. Eles funcionam através de um sistema que converte energia potencial armazenada em uma mola (barrilete) em energia cinética, que move os ponteiros do relógio. Estes movimentos são valorizados por colecionadores por sua engenhosidade, história e artesanato.
A beleza dos movimentos mecânicos está na sua independência de baterias. Como destaca o relojoeiro independente Philippe Dufour: “Um movimento mecânico bem construído é uma forma de perpetuidade, capaz de funcionar por gerações quando adequadamente mantido.” Esta característica torna os relógios mecânicos não apenas instrumentos de medição do tempo, mas potenciais heranças familiares.
Existem dois principais tipos de movimentos mecânicos: os de corda manual e os automáticos. Cada um possui suas vantagens e representa diferentes filosofias dentro da relojoaria, apelando para diferentes tipos de colecionadores e usuários com diferentes necessidades e preferências estéticas.
Movimentos mecânicos de corda manual
Os movimentos de corda manual são os mais tradicionais e representam a essência da relojoaria mecânica. Como o nome sugere, estes calibres dependem que o usuário dê corda manualmente, girando a coroa do relógio para armazenar energia na mola principal. Esta interação diária cria uma relação íntima entre o proprietário e seu relógio.
Muitos entusiastas apreciam o ritual da corda manual. O relojoeiro Max Büsser, fundador da MB&F, comenta: “Dar corda ao seu relógio é um momento de conexão, um lembrete diário da engenhosidade mecânica que carregamos no pulso.” Esta experiência tátil é um dos motivos pelos quais muitas microbrands focadas em tradição ainda optam por estes movimentos.
A principal vantagem dos movimentos de corda manual é sua simplicidade mecânica. Com menos componentes do que seus equivalentes automáticos, eles tendem a ser mais finos, permitindo relógios com perfis mais elegantes. Além disso, a ausência do rotor automático geralmente permite uma vista desimpedida do movimento através de fundos transparentes, realçando o apelo visual do mecanismo.
Movimentos mecânicos automáticos
Os movimentos automáticos, também chamados de self-winding, adicionam uma camada de conveniência aos relógios mecânicos. Eles contam com um rotor semi-circular que gira com o movimento natural do pulso, tensionando automaticamente a mola principal. Esta inovação elimina a necessidade de dar corda diariamente.
A praticidade dos movimentos automáticos os torna populares entre microbrands modernas. Kaz Mirza, fundador da Astor+Banks, explica: “Para o usuário contemporâneo que valoriza tanto tradição quanto conveniência, o movimento automático representa o melhor dos dois mundos.” É por isso que vemos este tipo de calibre em muitos modelos de uso diário.
Um movimento automático bem projetado normalmente acumula entre 38 e 80 horas de reserva de marcha quando totalmente carregado. Isto significa que o relógio pode ser removido durante a noite ou mesmo por um fim de semana inteiro e ainda manter a hora correta, uma característica muito apreciada por quem possui múltiplos relógios e alterna entre eles.
Movimentos utilizados por microbrands: classificações importantes
As microbrands de relógios geralmente trabalham com diferentes categorias de movimentos, cada uma com suas próprias características e implicações para o consumidor. Esta classificação ajuda os compradores a entender melhor o que estão adquirindo e o valor que podem esperar. Vamos examinar as principais categorias encontradas no mercado.
Os movimentos podem ser classificados como “in-house” (manufatura própria), “modificados” ou “de prateleira”. Esta distinção reflete o nível de envolvimento da marca na criação do movimento e geralmente influencia o preço final do relógio. É importante notar que nenhuma categoria é inerentemente superior – cada uma tem seu lugar.
Como observa Serge Kriknoff da Czapek & Cie: “O valor de um relógio não está apenas na exclusividade de seu movimento, mas na integridade com que a marca comunica sua origem e no valor que ela agrega ao produto final.” Esta perspectiva realista ajuda consumidores a fazer escolhas informadas sem cair em armadilhas de marketing.
Movimentos “in-house” (manufatura própria)
Os movimentos “in-house” são projetados e fabricados pela própria marca relojoeira. Na alta relojoaria independente, marcas como F.P. Journe, Kari Voutilainen e Philippe Dufour criam seus próprios calibres do zero, controlando cada aspecto do design e produção. Isto permite completa liberdade criativa e distinção técnica.
Segundo Stephen Forsey, da Greubel Forsey: “Quando desenvolvemos movimentos internamente, podemos incorporar nossa filosofia em cada componente, por menor que seja.” Este nível de controle garante que o movimento seja único e reflita perfeitamente a visão da marca, elevando o relógio ao status de obra de arte mecânica.
Entre as microbrands, verdadeiros movimentos “in-house” são raros devido aos altos custos de desenvolvimento. Porém, marcas como Halios, Baltic e Farer têm encontrado formas criativas de apresentar movimentos exclusivos através de parcerias estratégicas ou modificações significativas, oferecendo algo único sem os custos proibitivos de desenvolvimento integral.
Movimentos modificados
Os movimentos modificados representam um meio-termo interessante entre calibres de prateleira e “in-house”. Neste caso, a marca começa com um movimento base de um fornecedor estabelecido e realiza alterações significativas para melhorar a performance, adicionar funcionalidades ou criar uma estética distintiva.
Jason Lim, fundador da Halios Watches, explica: “Modificar movimentos permite que pequenas marcas ofereçam algo único sem o investimento massivo necessário para criar um calibre do zero.” Estas modificações podem incluir acabamentos personalizados, alterações no sistema de corda ou adição de complicações.
As modificações mais comuns incluem personalização de rotores, substituição de rodas de escape por versões melhoradas, ajustes de precisão e decorações exclusivas. Estas intervenções permitem que microbrands elevem a qualidade e exclusividade de seus produtos, justificando um preço mais alto enquanto ainda mantêm custos dentro de limites razoáveis.
Movimentos “de prateleira” (stock movements)
Os movimentos “de prateleira” são calibres produzidos em massa por fabricantes especializados e vendidos para diversas marcas. Empresas como ETA (Suíça), Sellita (Suíça), Miyota (Japão) e Seagull (China) produzem calibres confiáveis que formam a espinha dorsal da indústria relojoeira acessível.
Etienne Malec, fundador da Baltic Watches, oferece uma perspectiva sensata: “Usar um movimento bem testado como o Miyota 9015 ou o Sellita SW200 nos permite focar em design, qualidade de construção e valor para o cliente, em vez de reinventar a roda.” Esta abordagem pragmática permite que microbrands ofereçam excelentes relógios a preços mais acessíveis.
A vantagem dos movimentos de prateleira está em sua confiabilidade comprovada e facilidade de manutenção. Qualquer relojoeiro competente pode realizar serviços nestes calibres amplamente conhecidos, enquanto movimentos exclusivos podem exigir ferramentas especializadas ou até mesmo o envio do relógio de volta ao fabricante original.
Principais fornecedores de movimentos para microbrands
O ecossistema de fornecedores de movimentos para microbrands é diversificado, com opções que variam amplamente em preço, qualidade e origem. Conhecer os principais fabricantes ajuda a entender melhor o valor e as características esperadas de diferentes relógios. Vamos explorar os nomes mais importantes deste mercado.
Atualmente, o mercado é dominado por alguns grandes players de diferentes países. Da tradicional indústria suíça aos emergentes fabricantes chineses, cada fornecedor oferece diferentes vantagens competitivas e características técnicas que se adequam a diferentes propostas de microbrands.
O especialista em relógios Jack Forster da Hodinkee observa: “A democratização dos bons movimentos mecânicos através de fornecedores como Sellita e Miyota tem sido fundamental para o florescimento das microbrands, permitindo qualidade suíça ou japonesa a preços mais acessíveis.” Esta tendência tem transformado o mercado nos últimos anos.
Movimentos suíços: ETA, Sellita e outras opções
Por décadas, a ETA (parte do grupo Swatch) foi a principal fornecedora de movimentos para a indústria relojoeira global. Seus calibres como o 2824-2, 2892-A2 e 7750 são lendários por sua confiabilidade e precisão. Hoje, devido a restrições de fornecimento, a ETA tem limitado vendas para marcas fora do grupo Swatch.
Este cenário abriu espaço para a Sellita, que fabrica alternativas muito similares aos populares calibres ETA. Como explica o relojoeiro independente Jochen Benzinger: “Os movimentos Sellita como o SW200-1 são praticamente intercambiáveis com seus equivalentes ETA, oferecendo a mesma qualidade suíça com melhor disponibilidade para marcas independentes.”
Além destes dois gigantes, fabricantes como Soprod, La Joux-Perret e STP (Swiss Technology Production) oferecem alternativas interessantes no segmento suíço. Estas empresas desenvolveram movimentos comparáveis que cumprem os critérios para a designação “Swiss Made”, permitindo que microbrands acessem o prestígio suíço a preços relativamente competitivos.
Movimentos japoneses: Seiko/TMI, Miyota e outros
Os movimentos japoneses da Seiko (através de sua subsidiária TMI) e da Miyota (parte do grupo Citizen) conquistaram respeito mundial por sua excepcional relação custo-benefício. Calibres como o NH35 da Seiko e o 9015 da Miyota oferecem excelente confiabilidade e precisão a uma fração do custo dos equivalentes suíços.
William Massena, ex-diretor de leilões da Antiquorum e fundador da Massena LAB, afirma: “O Miyota 9015 revolucionou o mercado de microbrands, oferecendo especificações comparáveis ao ETA 2824-2 a menos da metade do preço.” Esta economia permite que pequenas marcas invistam mais em design, materiais e acabamentos.
Os movimentos japoneses são conhecidos por sua robustez e baixa necessidade de manutenção. Calibres como o Miyota 8215 e o Seiko NH35 são especialmente apreciados por sua durabilidade extrema e tolerância a condições adversas, tornando-os ideais para relógios esportivos e de aventura de microbrands com orçamentos limitados.
Movimentos chineses: Seagull, Hangzhou e concorrentes
A China emergiu como um importante player no mercado de movimentos mecânicos nas últimas décadas. A Tianjin Seagull, fundada em 1955, é agora um dos maiores fabricantes de movimentos mecânicos do mundo em volume. Seu cronógrafo ST19, baseado na tecnologia suíça Vênus da década de 1950, tornou-se particularmente popular entre microbrands.
Thomas Prescher, relojoeiro independente de renome, comenta: “Movimentos chineses como o Seagull ST36 demonstram como a manufatura chinesa evoluiu. Não se pode generalizar sobre qualidade baseando-se apenas na origem.” De fato, os melhores movimentos chineses atuais atingem níveis de qualidade que rivalizam com opções muito mais caras.
Além da Seagull, fabricantes como Hangzhou, Beijing e Peacock produzem uma variedade de calibres que vão desde clones diretos de movimentos ETA até designs originais. Estes movimentos permitem que microbrands com orçamentos extremamente limitados ainda ofereçam relógios mecânicos acessíveis, democratizando o acesso à relojoaria mecânica.
Comparação: movimentos populares usados por microbrands
Para ajudar na compreensão das diferentes opções disponíveis no mercado, vamos comparar alguns dos movimentos mais utilizados por microbrands atualmente. Esta comparação direta facilita a compreensão das diferenças técnicas e práticas entre as principais opções.
Movimento | Origem | BPH | Reserva de marcha | Precisão média | Preço aproximado | Características especiais |
ETA 2824-2 | Suíça | 28.800 | 38-42 horas | +/- 4 a 15 seg/dia | $200-300 | Padrão da indústria, disponibilidade limitada |
Sellita SW200-1 | Suíça | 28.800 | 38-42 horas | +/- 7 a 20 seg/dia | $180-250 | Clone do ETA 2824-2, mais disponível |
STP1-11 | Suíça | 28.800 | 44 horas | +/- 15 seg/dia | $150-220 | Alternativa suíça econômica, design melhorado |
Miyota 9015 | Japão | 28.800 | 42 horas | +/- 10 a 30 seg/dia | $80-120 | Fino, confiável, bom custo-benefício |
Seiko NH35A | Japão | 21.600 | 41 horas | +/- 20 a 40 seg/dia | $40-60 | Ultra-robusto, econômico, data rápida |
Seagull ST1901 | China | 21.600 | 40 horas | +/- 20 a 45 seg/dia | $60-100 | Cronógrafo manual acessível, herança Vênus |
Como podemos observar na tabela acima, existe uma relação clara entre preço e origem dos movimentos, mas nem sempre isso se traduz diretamente em performance. Fatores como acabamento, facilidade de manutenção e disponibilidade de peças também devem ser considerados ao avaliar qual movimento é mais adequado para suas necessidades.
A frequência (BPH – batimentos por hora) afeta a suavidade do movimento do ponteiro de segundos e, potencialmente, a precisão. No entanto, movimentos mais lentos como o NH35A e o ST1901 compensam com robustez e facilidade de manutenção, características muito valorizadas por usuários práticos.
Complicações comuns na alta relojoaria independente
As complicações são funções adicionais além da simples indicação de horas, minutos e segundos. Na alta relojoaria independente, estas complicações frequentemente representam a expressão máxima da criatividade e capacidade técnica do relojoeiro. Vamos explorar algumas das mais fascinantes complicações encontradas neste universo.
Os relojoeiros independentes muitas vezes usam complicações como sua assinatura. Enquanto grandes marcas produzem milhares de peças por ano, artesãos independentes como François-Paul Journe, Kari Voutilainen e Rexhep Rexhepi podem dedicar meses a um único relógio, permitindo níveis extraordinários de refinamento.
Como afirma o colecionador e estudioso de relógios John Reardon: “As complicações na alta relojoaria independente não são apenas sobre funcionalidade adicional, mas sobre expressar uma visão artística através da mecânica.” Esta filosofia resulta em peças que transcendem a simples medição do tempo.
Turbilhão e variantes
O turbilhão, inventado por Abraham-Louis Breguet em 1801, é uma das complicações mais visualmente impressionantes. Consiste em uma gaiola rotativa contendo o escapamento e o volante, girando tipicamente uma vez por minuto para neutralizar os efeitos da gravidade na precisão do relógio quando em posição vertical.
O mestre relojoeiro independente Philippe Dufour explica: “O turbilhão representa a quintessência da alta relojoaria. Embora seu benefício prático seja limitado nos relógios de pulso modernos, sua execução perfeita demonstra o mais alto nível de habilidade artesanal.” Esta visão explica por que muitos relojoeiros independentes ainda dedicam seu talento a esta complicação histórica.
Variantes modernas incluem o turbilhão voador (fixado apenas em um lado, criando a ilusão de flutuação), turbilhão de eixo múltiplo (girando em vários planos simultaneamente) e o turbilhão de 60 segundos (fazendo uma rotação completa por minuto). Cada variante oferece diferentes desafios técnicos e resultados estéticos para os relojoeiros expressarem sua criatividade.
Repetidor de minutos e soneria
Os repetidores de minutos são relógios que podem “tocar” as horas, quartos de hora e minutos quando um botão ou alavanca é acionado. Esta complicação, desenvolvida antes da iluminação elétrica para permitir saber as horas no escuro, é considerada uma das mais difíceis de executar na relojoaria.
O relojoeiro independente Christophe Claret, especialista em complicações sonoras, observa: “Cada repetidor de minutos tem sua própria ‘voz’. O som não é apenas uma função, mas uma assinatura acústica única que reflete as escolhas do relojoeiro quanto a materiais, dimensões e acabamentos.” Esta individualidade faz de cada peça verdadeiramente única.
A isomeria é uma variação que toca automaticamente em intervalos definidos, sem necessidade de acionar um botão. Os materiais usados nas caixas, a forma dos martelos e a qualidade dos gongos influenciam diretamente o som produzido, tornando a criação destas peças um exercício tanto em engenharia quanto em composição musical.
Calendários perpétuos e equações do tempo
O calendário perpétuo é uma complicação que mostra corretamente a data, dia da semana, mês e geralmente o ano, ajustando-se automaticamente para meses com diferentes números de dias e anos bissextos. Teoricamente, um calendário perpétuo bem ajustado só precisa de correção manual uma vez por século.
Andreas Strehler, relojoeiro independente suíço, afirma: “O calendário perpétuo é um triunfo da previsibilidade mecânica sobre as irregularidades do calendário gregoriano.” Esta complicação exemplifica como a relojoaria mecânica pode incorporar sistemas aparentemente ‘inteligentes’ através de engenhosas soluções puramente mecânicas.
Já a equação do tempo mostra a diferença entre o tempo solar real (determinado pela posição do sol) e o tempo médio (nossas 24 horas uniformes). Esta diferença varia ao longo do ano devido à órbita elíptica da Terra e à inclinação de seu eixo. Na alta relojoaria independente, esta complicação frequentemente se torna uma oportunidade para criativas representações visuais do fenômeno.
Complicações populares em microbrands
Embora as microbrands geralmente não possam incorporar complicações extremamente complexas como turbilhões ou repetidores de minutos devido a limitações orçamentárias, muitas delas utilizam complicações mais acessíveis para diferenciar seus produtos. Vamos examinar as mais comuns no mercado atual.
As microbrands frequentemente utilizam módulos de complicações ou movimentos base que já incorporam certas funcionalidades extras. Esta abordagem permite oferecer relógios com características interessantes sem os custos proibitivos de desenvolvimento de calibres completamente novos.
Chris Ward, fundador da marca homônima, observa: “Para microbrands, as complicações são uma forma de oferecer valor adicional e diferenciação sem necessariamente reinventar a relojoaria.” Esta filosofia pragmática tem permitido que pequenas marcas inovem dentro de suas limitações orçamentárias.
Cronógrafos
Os cronógrafos são relógios com função de cronômetro integrada, permitindo medir intervalos de tempo independentemente da hora regular. Esta é uma das complicações mais populares e práticas, com forte apelo entre entusiastas que apreciam tanto a funcionalidade quanto a estética dos pushers (botões) e subdials (mostradores secundários).
Entre as microbrands, cronógrafos mecânicos frequentemente utilizam movimentos Sellita SW500 (clone do ETA 7750), Seagull ST19 ou Miyota 6S. Ethan Djerdj, fundador da Nezumi Studios, explica: “O movimento ST19 da Seagull permitiu que pequenas marcas como a nossa oferecessem cronógrafos mecânicos a preços acessíveis, algo impossível há apenas uma década.”
O design dos cronógrafos permite grande criatividade com layouts “bicompax” (dois subdials) ou “tricompax” (três subdials), escalas taquimétricas nos biséis e diversas opções de cores para ponteiros cronográficos. Esta versatilidade estética, combinada com a funcionalidade prática, torna o cronógrafo uma escolha popular para microbrands que buscam estabelecer uma identidade visual distintiva.
GMT e world timers
Os relógios GMT (Greenwich Mean Time) permitem acompanhar dois fusos horários simultaneamente, através de um ponteiro adicional que completa uma volta a cada 24 horas. Esta complicação foi originalmente desenvolvida para pilotos nas décadas de 1950-60, mas ganhou popularidade com o aumento das viagens internacionais e negócios globais.
Jason Lim da Halios explica: “A função GMT é uma das complicações mais práticas e requisitadas pelos clientes de microbrands. Seu apelo combina utilidade real com uma estética distintiva.” Movimentos como o ETA 2893-2, Sellita SW330 e Miyota 9075 são opções populares para microbrands que desejam oferecer esta funcionalidade.
World timers são uma versão mais elaborada, mostrando a hora em múltiplas zonas de tempo simultaneamente, geralmente através de um disco rotativo com cidades representando diferentes fusos. Embora menos comuns em microbrands devido à sua complexidade, marcas como Farer e Christopher Ward têm criado interpretações interessantes desta complicação usando módulos especializados.
Fases da lua e indicadores de reserva de marcha
A complicação de fases da lua mostra o atual ciclo lunar através de um disco rotativo decorado com a imagem da lua, visível através de uma abertura no mostrador. Embora tenha utilidade prática limitada no mundo moderno, seu forte apelo estético a torna popular entre colecionadores e microbrands focadas em design.
O fundador da Zelos Watches, Elshan Tang, compartilha: “Indicadores de fase lunar oferecem uma oportunidade para expressão artística no mostrador, adicionando uma dimensão poética ao relógio.” Muitas microbrands utilizam módulos de fase lunar sobre movimentos base como ETA 2824-2 ou Sellita SW200 para criar peças visualmente distintas a custos controlados.
Os indicadores de reserva de marcha mostram quanto tempo o relógio continuará funcionando antes de precisar ser recarregado, seja através de corda manual ou automática. Esta complicação útil é especialmente valorizada em relógios com movimentos manuais. Fabricantes como Miyota (com o calibre 9130) oferecem opções acessíveis para microbrands incorporarem esta funcionalidade.
Dicas para escolher movimentos ao comprar relógios de microbrands
Ao investir em um relógio de uma microbrand, o movimento é um dos fatores mais importantes a considerar. Aqui estão algumas dicas práticas para ajudar na escolha de um relógio com um movimento adequado às suas necessidades e expectativas.
- Considere seus hábitos de uso: Se você alterna entre vários relógios, um movimento com maior reserva de marcha pode ser conveniente.
- Pense na manutenção futura: Movimentos comuns são mais fáceis e baratos de manter.
- Avalie o valor proposto: Verifique se o preço é justo considerando o movimento utilizado.
- Pesquise a reputação específica: Alguns lotes de determinados calibres têm problemas conhecidos.
- Considere o ruído do rotor: Alguns movimentos automáticos são notavelmente mais barulhentos.
- Verifique a classificação de precisão: Diferentes graus do mesmo movimento podem ter desempenhos distintos.
Mark Cho, co-fundador da The Armoury e revendedor da microbrand Naoya Hida & Co., aconselha: “O movimento certo depende mais do seu estilo de vida e expectativas do que de especificações técnicas. Um NH35 bem regulado pode ser melhor para muitos usuários do que um calibre suíço de grau básico.” Esta perspectiva prática é valiosa para novos colecionadores.
Lembre-se que o movimento é apenas um dos muitos fatores que determinam a qualidade e o valor de um relógio. Design, materiais, acabamento, atendimento ao cliente e valores da marca também são considerações importantes ao escolher uma peça para adicionar à sua coleção.
Manutenção de diferentes tipos de movimentos
A longevidade de um relógio mecânico depende diretamente dos cuidados e da manutenção adequada. Diferentes tipos de movimentos possuem requisitos específicos de manutenção que os proprietários devem conhecer para garantir anos de funcionamento confiável.
O relojoeiro inglês Roger Smith, discípulo de George Daniels, explica: “Um movimento mecânico é uma máquina viva que precisa de cuidados regulares. A manutenção preventiva é sempre preferível a reparos emergenciais.” Esta filosofia se aplica a relógios de todos os preços, das grandes marcas às microbrands independentes.
A frequência recomendada para revisões varia de acordo com o movimento. Enquanto calibres suíços de alta qualidade geralmente requerem serviço a cada 5-7 anos, movimentos japoneses robustos como o Seiko NH35 podem funcionar sem problemas por até 10 anos. Consulte sempre as recomendações específicas do fabricante para seu modelo.
Quando buscar serviço profissional
Existem sinais claros que indicam quando seu relógio precisa de atenção profissional, independentemente do cronograma regular de manutenção. Reconhecer estes sinais precocemente pode prevenir danos mais sérios e reparos mais caros no futuro.
Se você notar variações significativas na precisão (ganho ou perda de mais de 30 segundos por dia), sons incomuns como batidas ou estalos, ou resistência ao girar a coroa, é hora de consultar um relojoeiro. Estes sintomas geralmente indicam problemas que não se resolverão sozinhos e tendem a piorar com o tempo.
Como observa Serge Michel, co-fundador da independente suíça Armin Strom: “Uma revisão completa, embora cara, é um investimento na longevidade do seu relógio. Economizar na manutenção frequentemente leva a reparos muito mais caros no futuro.” Este conselho é especialmente relevante para relógios com movimentos modificados ou in-house, que podem requerer conhecimento especializado.
Para relógios de microbrands com movimentos comuns como ETA, Sellita ou Miyota, você tem a vantagem de poder recorrer a praticamente qualquer relojoeiro competente. Esta é uma consideração importante para colecionadores que não vivem próximos aos centros de assistência oficiais das marcas que compram.
Tendências inovadoras em movimentos de microbrands
O cenário das microbrands está em constante evolução, com inovações regulares desafiando as convenções estabelecidas. Algumas destas pequenas marcas têm empurrado os limites do que é possível dentro de suas restrições orçamentárias, resultando em desenvolvimentos interessantes na tecnologia dos movimentos.
Nos últimos anos, temos visto parcerias criativas entre microbrands e fabricantes de movimentos para criar calibres semi customizados. Como explica William Massena: “Vemos microbrands unindo forças para encomendar lotes de movimentos com especificações alteradas, criando algo único sem o custo proibitivo de desenvolvimento integral.” Esta colaboração beneficia tanto as marcas quanto os consumidores.
Outra tendência notável é a crescente sofisticação dos movimentos chineses premium. Fabricantes como Beijing Watch Factory e Peacock estão produzindo calibres que rivalizam com alternativas suíças em qualidade, enquanto permanecem significativamente mais acessíveis. Isto está expandindo as possibilidades para microbrands que desejam oferecer complicações antes inalcançáveis em suas faixas de preço.
Híbridos e tecnologias alternativas
Alguns dos desenvolvimentos mais interessantes estão ocorrendo na interseção entre relojoaria tradicional e novas tecnologias. Os movimentos híbridos combinam elementos mecânicos com componentes eletrônicos, oferecendo o melhor dos dois mundos: a alma e o artesanato da relojoaria tradicional com a praticidade e precisão da tecnologia moderna.
A microbrand americana Accutron (relançada em 2020) reviveu a icônica tecnologia eletrostática da Bulova, onde um movimento eletrostático impulsiona o ponteiro de segundos com energia gerada por rotores movidos pela atividade do usuário. O fundador Jeffrey Cohen comenta: “Esta tecnologia representa uma terceira via na relojoaria – nem totalmente mecânica, nem puramente eletrônica.” Tais inovações abrem novas possibilidades estéticas e funcionais.
Outras marcas estão experimentando com materiais inovadores para componentes de movimentos tradicionalmente fabricados em latão, aço ou rubis. Silício, cerâmica e ligas especiais estão sendo adotados para melhorar o desempenho, reduzir a necessidade de lubrificação e aumentar a resistência magnética. Estas inovações, antes exclusivas da alta relojoaria, estão gradualmente alcançando relógios mais acessíveis.
Customização e transparência
Uma tendência crescente entre microbrands é oferecer níveis mais altos de customização visual dos movimentos. Mesmo quando utilizam calibres de prateleira, muitas marcas agora investem em decorações personalizadas, rotores distintivos e acabamentos exclusivos que transformam um movimento comum em algo especial.
O relojoeiro independente Remy Cools observa: “A customização visual permite que pequenas marcas expressem sua identidade através do movimento, não apenas do mostrador e da caixa.” Esta abordagem tem ressonado com consumidores cada vez mais sofisticados que valorizam detalhes que vão além da aparência externa do relógio.
Paralelamente, vemos maior transparência sobre a origem dos movimentos. Enquanto no passado algumas marcas eram vagas sobre a procedência de seus calibres, hoje muitas microbrands orgulhosamente especificam exatamente qual movimento é utilizado e que modificações foram feitas. Esta honestidade tem sido bem recebida pelos consumidores e elevado o discurso geral sobre movimentos na comunidade de colecionadores.
FAQ sobre movimentos de relógios
1. Qual a diferença entre um movimento de alta batida (high-beat) e um regular?
Um movimento de alta batida opera a uma frequência maior que o padrão da indústria, tipicamente 36.000 vibrações por hora (5Hz) em comparação com os habituais 28.800 VPH (4Hz) ou 21.600 VPH (3Hz). Esta maior frequência resulta em um movimento mais suave do ponteiro de segundos e potencialmente maior precisão.
Segundo Xavier de Roquemaurel, CEO da Czapek & Cie: “Movimentos de alta frequência oferecem vantagens teóricas de precisão, mas exigem mais energia e tipicamente resultam em menor reserva de marcha.” Eles também tendem a requerer manutenção mais frequente devido ao maior desgaste mecânico causado pela frequência elevada.
Por outro lado, movimentos mais lentos como os que operam a 18.000 VPH (2,5Hz) tendem a ter maior reserva de marcha e desgaste reduzido, embora com um movimento visivelmente menos suave do ponteiro de segundos. A escolha entre diferentes frequências reflete diferentes prioridades de design por parte dos fabricantes.
2. Como posso saber qual movimento está no meu relógio se não está especificado?
Se o movimento não está especificado pelo fabricante, existem algumas maneiras de identificá-lo. Para relógios mecânicos, a maneira mais fácil é observar o comportamento do ponteiro de segundos: movimentos que operam a 28.800 VPH fazem 8 tiques por segundo, enquanto os de 21.600 VPH fazem 6 tiques por segundo.
O especialista em relógios Robert-Jan Broer da Fratello Watches sugere: “Frequentemente, o design do rotor ou detalhes específicos de acabamento podem revelar a origem de um movimento, mesmo quando não está explicitamente declarado.” Fotografias do fundo do relógio postadas em fóruns especializados podem ser identificadas por entusiastas mais experientes.
Se o relógio tem fundo transparente, características visuais como a forma do rotor (no caso de automáticos), disposição das pontes, localização do regulador e tipo de sistema de escapamento podem ajudar a identificar o calibre. Em último caso, um relojoeiro profissional sempre pode abrir o relógio para identificação definitiva.
3. Os movimentos suíços são realmente superiores aos japoneses ou chineses?
Esta é uma questão complexa que não tem resposta simples ou universalmente válida. Tradicionalmente, os movimentos suíços eram considerados o padrão-ouro da indústria, mas fabricantes japoneses como Seiko e Miyota e chineses como Seagull têm diminuído drasticamente essa diferença nas últimas décadas.
Jack Forster da Hodinkee oferece uma perspectiva equilibrada: “Movimentos suíços geralmente oferecem acabamentos superiores e decoração mais elaborada, mas em termos de confiabilidade e precisão, calibres japoneses de alta qualidade como o Grand Seiko oferecem desempenho equivalente ou superior a preços mais acessíveis.”
É mais produtivo avaliar movimentos individualmente do que por nacionalidade. Um Miyota 9015 bem regulado pode facilmente superar um ETA 2824-2 básico em precisão, enquanto ambos serão ultrapassados por um Sellita SW300 de grau cronômetro ou um Grand Seiko Spring Drive. A verdadeira questão é o nível de engenharia, controle de qualidade e acabamento específico de cada calibre.
4. Quanto tempo dura um movimento mecânico com manutenção adequada?
Com manutenção adequada e regular, um movimento mecânico de qualidade pode durar indefinidamente. Não é incomum encontrar relógios com mais de 100 anos que ainda funcionam perfeitamente graças a revisões periódicas ao longo de sua existência.
“Um relógio mecânico bem construído e adequadamente mantido é um dos poucos objetos mecânicos que pode ser passado através de gerações,” explica Benjamin Clymer, fundador da Hodinkee. “Virtualmente todas as peças podem ser substituídas quando necessário, permitindo que o relógio continue funcionando indefinidamente.”
A chave para esta longevidade é a manutenção preventiva regular, idealmente a cada 5-10 anos dependendo do movimento específico. Durante estas revisões, o movimento é completamente desmontado, limpo, relubrificado, e peças desgastadas são substituídas antes que possam causar danos a outros componentes.
5. Os movimentos in-house são sempre melhores que os de prateleira?
Não necessariamente. Embora movimentos in-house ofereçam exclusividade e frequentemente características únicas, movimentos de prateleira estabelecidos têm benefícios significativos, incluindo confiabilidade comprovada, facilidade de manutenção e custo mais acessível.
Segundo Christian Knoop, diretor criativo da IWC Schaffhausen: “A questão não é se um movimento é in-house ou não, mas se ele atende às necessidades específicas do relógio e oferece valor ao cliente.” Esta perspectiva prática é compartilhada por muitos especialistas da indústria.
Muitos movimentos de prateleira como o ETA 2824 ou Miyota 9015 foram refinados ao longo de décadas de produção, resultando em calibres extremamente confiáveis e precisos. Em contraste, alguns movimentos in-house podem sofrer de “dores de crescimento” em suas primeiras gerações. O verdadeiro valor está na execução específica e no quanto o movimento se alinha às necessidades do usuário.
Finalizando, navegar pelo mundo dos movimentos de relógios pode parecer intimidador a princípio, mas compreender os conceitos básicos abre uma nova dimensão de apreciação para qualquer entusiasta. Da tradição secular dos calibres mecânicos suíços às inovações modernas de fabricantes globais, cada movimento conta uma história sobre prioridades, compromissos e valores.
O florescimento das microbrands tem democratizado o acesso a relógios mecânicos de qualidade, oferecendo opções para todos os orçamentos e preferências. Como observa William Massena: “Estamos vivendo a era de ouro das microbrands de relógios, onde qualidade antes reservada aos mais abastados agora está disponível a uma fração do preço.” Esta democratização expandiu significativamente a comunidade de entusiastas.
Ao considerar seu próximo relógio, lembre-se que não existe o “melhor” movimento em termos absolutos – apenas o mais adequado para suas necessidades específicas. Considere seus hábitos de uso, orçamento para manutenção, preferências estéticas e expectativas práticas. Com o conhecimento adquirido neste guia, você está bem equipado para fazer escolhas informadas e aproveitar melhor sua jornada no fascinante mundo da relojoaria independente.